quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Comentário de Alair Oliveira Gomes - XV Bienal de São Paulo 1979



XV Bienal de São Paulo 1979 - 03/10 a 09/12
Comentário de Alair Oliveira Gomes (*)

A concepção que Haroldo Barroso desenvolveu para a XV Bienal de São Paulo revela um paradoxo notável:  embalagens colossais agem mais persuasivamente no sentido de induzir atenção para os efeitos que produzem no espaço circunjacente que no sentido de acender a imaginação ou a fantasia a respeito de conteúdos. Neste sentido, as embalagens são caixas viradas de avesso – mais ou menos como o negativo da arquitetura de Fortman, onde o exterior resida  no interior.
                 
 As quatro grandes caixas-embalagens de Barroso são simples prismas trapezoidais. Mas algumas de suas característica impedem que funcionem  em um sentido geométrico puro.
Não se filiam a qualquer gênero de purismo. Não se dão ao espectador como autossuficientes
o que é em princípio esplêndido; e não se dão tampouco como recipientes, muito embora não deixem de ser embalagens. Tal como figura de Rorschach – das quais diferem à primeira  vista tanto quanto possível suscitam indagações a respeito de possíveis semelhanças e funções.

Diante delas pode-se imaginar Ícaro – asas puras gigantes; ou pode-se evocar alguma estranha música – harpas modernas para criaturas também colossais. Podem ainda ser vistas como algo cujo  significado  é profundo mas totalmente misterioso, tal como o monolito do 2001 de Kubrick; ou até mesmo como véus de ‘’noivas  mecânica’’. Mas o que minha imaginação sugeriu a seu respeito com maior insistência foi o buril. As caixas do Barroso transformam a escultura em instrumentos de esculpir; o operam sobre o espaço que as circunda, estruturando-o.

De fato, as caixas prontamente estabelecem uma tecitura de relações com o espaço a elas concedido. Por este motivo, situam-se também nas proximidades da arte ambiental e não apenas da minimal.
Não constituem um mero grupo de objetos. E não há absolutamente qualquer aspecto ‘único e final’ para seu conjunto – aparentando-se assim á arte modular. O que os visitantes da Bienal irão ver é apenas um dos inúmeros efeitos que as caixas-buris podem precipitar aspectos cujo denominador comum há de ser a monumentalidade.

O próprio escultor tornou-se consciente de uma transformação curiosa em sua visão, que cresceu à medida que ele planejou, e então acompanhou a construção das caixas. Os compromissos originais com a “arte de embalagens” tornaram-se menos próximos. As embalagens passaram a se mostrar capazes de viajar para além de seu destino original. Acontece, entretanto, que já por muito tempo Haroldo Barroso tem-se voltado com o maior interesse para os efeitos extra limítrofes da escultura, como algo capaz de estruturar espaços mais vastos. A transformação ocorrida não lhe podia causar surpresa, uma vez que sua concepção tornava-se apenas mais fiel a ele mesmo. Mas não havia qualquer motivo por que repelir a concepção original.

Subsistindo, a despeito da mutação, contribuiu também para enriquecer o resultado final – por exemplo, materializando e justificando uma tensão entre o que seria uma autossuficiência da simples geometria das formas e o acabamento rude com que as caixas emergiram das mãos dos operários da Fink. O acabamento realista chega a incluir cicatrizes dos martelos sobre a madeira das caixas. Um realismo dessa ordem, a questionar formas puras, sublinha a independência com que a obra foi criada.   
                                                                                                   Alair o. Gomes

* Alair de Oliveira Gomes (Valença, RJ, 1921 - Rio de Janeiro, RJ, 1992) foi um engenheiro (civil e eletrônico), fotógrafo, professor, e crítico de arte e cultura brasileira.



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