XV Bienal de São Paulo 1979 - 03/10 a 09/12
Comentário de Alair Oliveira Gomes (*)
Comentário de Alair Oliveira Gomes (*)
A concepção que Haroldo Barroso
desenvolveu para a XV Bienal de São Paulo revela um paradoxo notável: embalagens colossais agem mais persuasivamente
no sentido de induzir atenção para os efeitos que produzem no espaço circunjacente
que no sentido de acender a imaginação ou a fantasia a respeito de conteúdos.
Neste sentido, as embalagens são caixas viradas de avesso – mais ou menos como
o negativo da arquitetura de Fortman, onde o exterior resida no interior.
As quatro grandes caixas-embalagens
de Barroso são simples prismas trapezoidais. Mas algumas de suas característica
impedem que funcionem em um sentido
geométrico puro.
Não se filiam a qualquer gênero de
purismo. Não se dão ao espectador como autossuficientes
o que é em princípio esplêndido;
e não se dão tampouco como recipientes, muito embora não deixem de ser
embalagens. Tal como figura de Rorschach – das quais diferem à primeira vista tanto quanto possível suscitam
indagações a respeito de possíveis semelhanças e funções.
Diante delas pode-se imaginar
Ícaro – asas puras gigantes; ou pode-se evocar alguma estranha música – harpas
modernas para criaturas também colossais. Podem ainda ser vistas como algo cujo
significado é profundo mas
totalmente misterioso, tal como o monolito do 2001 de Kubrick; ou até mesmo
como véus de ‘’noivas mecânica’’. Mas o
que minha imaginação sugeriu a seu respeito com maior insistência foi o buril.
As caixas do Barroso transformam a escultura em instrumentos de esculpir; o
operam sobre o espaço que as circunda, estruturando-o.
De fato, as caixas prontamente
estabelecem uma tecitura de relações com o espaço a elas concedido. Por este
motivo, situam-se também nas proximidades da arte ambiental e não apenas da
minimal.
Não constituem um mero grupo de
objetos. E não há absolutamente qualquer aspecto ‘único e final’ para seu
conjunto – aparentando-se assim á arte modular. O que os visitantes da Bienal
irão ver é apenas um dos inúmeros efeitos que as caixas-buris podem precipitar
aspectos cujo denominador comum há de ser a monumentalidade.
O próprio escultor tornou-se
consciente de uma transformação curiosa em sua visão, que cresceu à medida que
ele planejou, e então acompanhou a construção das caixas. Os compromissos
originais com a “arte de embalagens” tornaram-se menos próximos. As embalagens
passaram a se mostrar capazes de viajar para além de seu destino original.
Acontece, entretanto, que já por muito tempo Haroldo Barroso tem-se voltado com
o maior interesse para os efeitos extra limítrofes da escultura, como algo capaz
de estruturar espaços mais vastos. A transformação ocorrida não lhe podia
causar surpresa, uma vez que sua concepção tornava-se apenas mais fiel a ele
mesmo. Mas não havia qualquer motivo por que repelir a concepção original.
Subsistindo, a despeito da
mutação, contribuiu também para enriquecer o resultado final – por exemplo,
materializando e justificando uma tensão entre o que seria uma autossuficiência
da simples geometria das formas e o acabamento rude com que as caixas emergiram
das mãos dos operários da Fink. O acabamento realista chega a incluir
cicatrizes dos martelos sobre a madeira das caixas. Um realismo dessa ordem, a
questionar formas puras, sublinha a independência com que a obra foi criada.
Alair o. Gomes
* Alair de Oliveira Gomes (Valença,
RJ, 1921 - Rio de Janeiro, RJ, 1992) foi um engenheiro (civil e eletrônico),
fotógrafo, professor, e crítico de arte e cultura brasileira.